A SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA-SBA, desejando prover a conservação e
ressalva de direitos, bem como, manifestar de modo formal a sua irresignação e
como forma de prevenir responsabilidades (cíveis e deontológicas), vem,
publicamente, EMITIR POSICIONAMENTO acerca das repercussões ético-legais da
veiculação do Parecer
da Comissão de Ética e Defesa Profissional nº 4/2019, alçando-o à categoria de
orientação da SOBED, direcionada aos seus associados, e que está veiculada no
link:
https://soblink.sobednews.org.br/ev/PGIy3/Oz/e7df/DPeW9C6KF99/BKAS/, recomendando aos
seus associados comportamento em desacordo com as Resoluções CFM nºs 1.670/2003
e 2.174/2017.
Cumpre inicialmente relembrar que a profissão de
médico consiste em profissão regulamentada, sendo o Conselho Federal de
Medicina e os Conselhos Regionais os órgãos supervisores, julgadores e
disciplinadores das condutas exigidas da classe médica, tendo competência para expedir resoluções
normatizadoras ou fiscalizadoras do exercício profissional dos médicos e
pessoas jurídicas cuja atividade básica seja a Medicina, assim como para
definir o ato médico e proceder à fiscalização do cumprimento das normas
estabelecidas no Código de Ética Médica.
Dentro deste contexto, o Código de Ética
Médica determina ser vedado ao médico:
“Art. 18.
Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de
Medicina ou desrespeitá-los.”
Partindo dessa premissa, verifica-se que
não é prerrogativa das sociedades de especialidades médicas e seus diretores,
desobedecer ou desrespeitar às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de
Medicina, ou recomendar tal comportamento aos seus associados, sob pena de
enquadramento no supratranscrito art. 18 do Código de Ética Médica.
Cumpre ainda ressaltar que, por ser
competência exclusiva do Conselho Federal de Medicina – CFM, a definição do ato
médico e a sua regulamentação está fora da alçada e da competência da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, sendo que, o profissional que
pretende exercer a profissão de médico no território brasileiro terá
invariavelmente que se submeter a regulamentação e fiscalização do Conselho Federal
de Medicina – CFM, sob pena de perder o seu direito ao exercício regular da
profissão.
Isso não quer dizer que os
estabelecimentos de saúde não devam cumprir com as exigências sanitárias de
competência da ANVISA, mas tão somente que a definição do ato médico não é
atribuição da referida agência.
A
interpretação rasa e apartada do cuidado com o paciente e dos direitos e
obrigações dos médicos, levou a SOBED a conclusão de que não é necessária a
presença de um segundo médico para monitorização do paciente sedado nos
procedimentos endoscópicos, o que não pode prevalecer.
O
fundamento utilizado para tal raciocínio foi o texto da Resolução-RDC Nº 6,
de 10 de março de 2013,
que estabelece normas para os serviços de endoscopia, cujo descumprimento das
disposições contidas nesta Resolução constitui infração sanitária, nos termos
da Lei n. 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades
civil, administrativa e penal cabíveis.
Ocorre
que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA é uma autarquia sob
regime especial, que tem por finalidade institucional promover a proteção da
saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo
de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos
ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados,
bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados.
A
Resolução-RDC Nº 6, de 10 de março de 2013 é destinada às pessoas jurídicas
constituídas para prestar serviços de endoscopia autônomos e não autônomos,
entendendo-se como autônomos o serviço de endoscopia com CNPJ e alvará
sanitário próprios, funcionando física e funcionalmente de forma independente,
podendo estar inserido em outro estabelecimento de saúde; e como não-autônomos
os que constituem unidade funcional pertencente a um estabelecimento de saúde.
O
artigo 2º da Resolução-RDC Nº 6/ 2013 é claro neste sentido:
“Art. 2º Esta
Resolução aplica-se a todos os serviços de saúde públicos e privados, civis e
militares que realizam procedimentos endoscópicos, diagnósticos e
intervencionistas, com utilização de equipamentos rígidos ou flexíveis, com via
de acesso ao organismo por orifícios exclusivamente naturais.”
Conforme
visto, a ANVISA não interfere, nem regulamenta o exercício da profissão de
médico, que é atribuição de competência exclusiva do Conselho Federal de
Medicina – CFM.
Não
fosse suficiente, ao contrário do que recomenda a SOBED, não há dispensa de
acompanhamento por um segundo médico na Resolução-RDC Nº 6/2013, na forma em
que foi interpretada, conforme passaremos a analisar.
O
artigo 16 da Resolução-RDC Nº 6/ 2013 estabelece que
para a realização de qualquer procedimento endoscópico,
independentemente da sua complexidade, que envolva: a) sedação profunda; ou
b) anestesia não tópica, ou seja, não se refere apenas à anestesia com sedação
profunda, mas também a toda e qualquer anestesia “não tópica”.
“Art. 16.
Para a realização de qualquer procedimento endoscópico, que
envolva sedação profunda ou anestesia não tópica são necessários:
I – um
profissional legalmente habilitado para a realização do procedimento
endoscópico; e
II – um profissional
legalmente habilitado para promover a sedação profunda ou
anestesia, E monitorar o paciente durante todo o
procedimento até que o paciente reúna condições para ser transferido para a
sala de recuperação.”
Para
melhor interpretação da norma, necessário esclarecer que a anestesia tópica
corresponde a anestesia aplicada sem invasão dos tecidos, que independe de
sedação e consiste em depositar spray, creme, gel ou pomada na pele ou mucosa,
sem infiltração de anestésico medicamentoso na área a ser anestesiada.
Ressalte-se
que, especificamente nos procedimentos endoscópicos, a anestesia tópica
corresponde à utilização de spray ou borrifador com anestésico local nas
mucosas por onde o aparelho endoscópico irá passar. Portanto, se houver a
utilização de injeções para aplicação do anestésico local ou de outros
medicamentos, como os sedativos administrados por via venosa, a anestesia deixa
de ser tópica, para ser considerada não-tópica.
Feitas
essas considerações, verifica-se que de acordo com o artigo 16 da Resolução-RDC
Nº 6/2013, em qualquer procedimento endoscópico, em que seja utilizada a
anestesia não-tópica, necessariamente, deverá existir, na assistência do
paciente, um profissional para o procedimento anestésico e outro profissional
para o procedimento endoscópico.
E
mais, nos casos em que a anestesia seja tópica (utilização de spray ou
borrifador de anestésico local nas mucosas), mas que seja administrada com
sedação, mediante injeções para aplicação de sedativos administrados por via
venosa, com potencial de alcançar a condição de profunda (o que veremos adiante
que pode acontecer com qualquer tipo de sedação), também será exigida a presença
do segundo médico, de acordo com as determinações do Conselho Federal de
Medicina.
Ou
seja, a ANVISA só dispensa o segundo médico para anestesias tópicas, que
consistem na aplicação de spray ou borrifador com anestésico local nas mucosas
por onde o aparelho endoscópico irá passar.
Verifique-se
que somente nos casos de utilização exclusiva da anestesia tópica é que o
médico endoscopista poderá atuar, de acordo com as normas da vigilância
sanitária, sem a presença do segundo médico.
Tanto
é assim que o artigo 23 da Resolução-RDC Nº 6/2013 determina que:
“Art. 23. É
proibida a recuperação de pacientes submetidos à sedação
OU anestesia não tópica fora da sala de recuperação.”
Em
outras palavras, somente a anestesia tópica dispensa a recuperação do paciente
na sala de recuperação, sendo que nos demais casos será encaminhado, após o
procedimento, para a sala de recuperação anestésica, sob a supervisão do médico
responsável pela recuperação do paciente.
Este
entendimento se repete quando os serviços de endoscopia são classificados pela
Resolução-RDC Nº 6/2013:
“Art.4º Para
cumprimento desta Resolução os serviços de endoscopia passam a ser
classificados da seguinte forma:
- serviço de endoscopia tipo I: é aquele que
realiza procedimentos endoscópicos sem sedação, com ou sem
anestesia tópica;
- serviço de endoscopia tipo II: é aquele que, além
dos procedimentos descritos no inciso I do Art. 4º, realiza ainda procedimentos
endoscópicos sob sedação consciente, com medicação passível de reversão
com uso de antagonistas;
- serviço de endoscopia tipo III: serviço de
endoscopia que, além dos procedimentos descritos nos incisos I e II do
Art. 4º, realiza procedimentos endoscópicos sob qualquer tipo de sedação
ou anestesia.
Parágrafo
único. Quando não especificada a classificação, as determinações desta
Resolução aplicam-se aos três tipos de serviços de endoscopia.;
Mais
uma vez verifica-se que somente os procedimentos realizados sem sedação e com
anestesia tópica (spray/borrifador), em serviços de endoscopia tipo I, é que
poderiam ser realizados sem a observância das exigências dos artigos 16 e 23 da Resolução-RDC Nº 6/2013, sob pena de
aplicação do artigo 58, que determina que “o descumprimento das disposições
contidas nesta Resolução constitui infração sanitária, nos termos da Lei n.
6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades civil,
administrativa e penal cabíveis”.
Superado tal aspecto, cumpre a esta SBA demonstrar
as demais impropriedades do Parecer Comissão de Ética e
Defesa Profissional nº 4/2019, que podem acarretar em prejuízo, não apenas aos
pacientes submetidos à sedação em procedimento endoscópico, assistidos por um
único médico, mas também aos próprios profissionais médicos que, confiando no
referido parecer, assumirem o risco de proceder à realização, monitorização e
recuperação do paciente submetido a sedação, concomitantemente à realização do
procedimento endoscópico, assumindo assim a responsabilidade pelo sucesso ou
insucesso dos dois procedimentos.
Quanto à esta possibilidade, é preciso esclarecer
que cabe ao médico endoscopista avaliar se deseja ou não, assumir pessoalmente
o risco de causar danos ao paciente, seja em razão do seu próprio procedimento
endoscópico, seja em razão da sedação ou ainda em razão da ocorrência de um
evento adverso, pelo qual deverá se responsabilizar.
Tendo o endoscopista assumido o risco de
responsabilizar-se tanto pela sedação quanto pelo procedimento endoscópico e
vindo a ocorrer a intercorrência e o insucesso em qualquer dos procedimentos
(endoscópico ou de sedação), por falta de habilidade, a conduta do médico será
criminalmente enquadrada como culposa, podendo ainda ser alçada à conduta com
dolo eventual, pois conhecendo o fato de que cada paciente tem uma resposta
individual aos medicamentos utilizados para sedação e que não há
previsibilidade em relação à profundidade da sedação, assumiu o risco de causar
danos ou causar a morte do paciente, dispensando os cuidados do segundo
profissional médico, desobedecendo determinação do Conselho Federal de Medicina.
Imperioso, que reste inconteste que nenhum médico,
inscrito no Conselho Regional de Medicina e capacitado para ministrar a sedação,
pode alegar o desconhecimento do conteúdo das “Observações” do Anexo I da
Resolução CFM nº1.670/2003, que determina expressamente a imprevisibilidade em
relação à resposta de cada paciente aos medicamentos utilizados:
“DEFINIÇÃO E NÍVEIS DE SEDAÇÃO
Sedação é um ato médico realizado
mediante a utilização de medicamentos com o objetivo de proporcionar conforto
ao paciente para a realização de procedimentos médicos ou odontológicos. Sob
diferentes aspectos clínicos, pode ser classificada em leve, moderada e
profunda, abaixo definidas:
Sedação Leve é um estado obtido com o
uso de medicamentos em que o paciente responde ao comando verbal. A função
cognitiva e a coordenação podem estar comprometidas. As funções cardiovascular
e respiratória não apresentam comprometimento.
Sedação Moderada/Analgesia
(“Sedação Consciente”) é um estado de depressão da consciência,
obtido com o uso de medicamentos, no qual o paciente responde ao estímulo
verbal isolado ou acompanhado de estímulo tátil. Não são necessárias
intervenções para manter a via aérea permeável, a ventilação espontânea é
suficiente e a função cardiovascular geralmente é mantida adequada.
Sedação Profunda/Analgesia é uma depressão da
consciência induzida por medicamentos, e nela o paciente dificilmente é
despertado por comandos verbais, mas responde a estímulos dolorosos. A
ventilação espontânea pode estar comprometida e ser insuficiente. Pode ocorrer
a necessidade de assistência para a manutenção da via aérea permeável. A função
cardiovascular geralmente é mantida. As respostas são individuais.
Observação importante:
As respostas ao uso desses medicamentos são individuais e os níveis são
contínuos, ocorrendo, com frequência, a transição entre eles. O médico que
prescreve ou administra a medicação deve ter a habilidade de recuperar o
paciente deste nível ou mantê-lo e recuperá-lo de um estado de maior depressão
das funções cardiovascular e respiratória.”
É este o fundamento da determinação
prevista no artigo 2º da Resolução
CFM nº1.670/2003, de que: “O médico que realiza o procedimento não pode
encarregar-se simultaneamente da administração de sedação profunda/analgesia,
devendo isto ficar a cargo de outro médico”.
No mesmo sentido é a alínea “a” do artigo
5º da Resolução nº 2.174/2017, qual seja:
“Art. 5º
Considerando a necessidade de implementação de medidas preventivas voltadas à
redução de riscos e ao aumento da segurança sobre a prática do ato anestésico,
recomenda-se que:
a) a
sedação/analgesia seja realizada por médicos, preferencialmente anestesistas,
ficando o acompanhamento do paciente a cargo do médico que não esteja
realizando o procedimento que exige sedação/analgesia;”
Verifique-se ainda que o questionamento
inicialmente encaminhado à SOBED e que ensejou o Parecer da Comissão de Ética e Defesa Profissional
nº 4/2019,
era no sentido de verificar se “um médico endoscopista titular da SOBED está capacitado para
realizar sedação para procedimentos diagnósticos e terapêuticos em Endoscopia
Digestiva”, sendo que sobre esta capacitação é inquestionável a
inexistência de reserva de procedimentos para qualquer das especialidades, em
que pese ser relevante garantir ao paciente um tratamento especializado.
Portanto, não pairam dúvidas sobre o aspecto de que o
endoscopista pode sim responsabilizar-se pela sedação do paciente, desde que em
sendo o médico que administra a medicação, não seja também o médico que realiza
o procedimento endoscópico, existindo ainda a exigência de que detenha
habilidade para recuperar o paciente de qualquer nível de sedação, uma vez que
não há previsibilidade em relação a resposta do paciente ao medicamento
administrado como sedativo.
Ou seja, do médico não anestesiologista, mas capacitado para
recuperar o paciente de qualquer nível de sedação, exige-se o conhecimento
mínimo de que não há garantia de manutenção do paciente no nível de sedação
leve e/ou moderado.
Por esta singela razão, o médico endoscopista não está
autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, a dispensar a presença de um
segundo médico, e incumbir-se sozinho tanto da sedação quanto do procedimento
cirúrgico ou de diagnóstico.
Diversos tipos de complicações, durante
procedimentos endoscópicos, já foram relatados na literatura, sendo mais comuns
os que envolvem o sistema cardiovascular e respiratório, tais como: hipotensão
arterial, hipertensão arterial, arritmias cardíacas, isquemia miocárdica,
depressão respiratória, obstrução respiratória, hipóxia, broncoaspiração, entre
outras, conforme artigo publicado no World Journal of
Gastrointestinal Endoscopy[1].
Apesar da incidência de complicações notificadas
ser baixa, estudo retrospectivo analisou a ocorrência de complicações, por
período de 5 anos, num total de 33.195 exames endoscópicos, registraram-se taxas
de complicações cardiorrespiratórias de 0,13%, com registro de um óbito,
conforme relatado no artigo de Sergio Maestro Antolin[2].
Estudo randomizado[3] envolvendo
200 pacientes de procedimentos endoscópicos, comparando sedação leve e sedação
profunda, evidenciou incidência de memorização durante o procedimento de 12% no
grupo da sedação leve e 1% no grupo da sedação profunda, diferença essa
significativa do ponto de vista estatístico (p < 0,0001). As complicações
cardiorrespiratórias foram maiores no grupo da sedação profunda, principalmente
hipotensão e obstrução respiratória, enquanto no grupo da sedação leve a
ocorrência de agitação foi maior.
A Sociedade Americana de Anestesiologia estabeleceu, em documento
desenvolvido pelo Comitê de Gestão da Qualidade[4],
definição dos níveis de sedação, reforçando que a sedação é um processo
contínuo, podendo transitar entre os planos de profundidade. Devido a sedação
ser um processo contínuo, não é possível avaliar preventivamente como um
indivíduo responderá à sedação. Os profissionais responsáveis pela sedação
devem ser capazes de recuperar pacientes, caso o nível de sedação atinja planos
mais profundos que os inicialmente pretendidos[5].
O aspecto mais relevante deste documento é o de que a recuperação de um
paciente de um nível mais profundo de sedação do que o pretendido é uma
intervenção de um profissional com proficiência em gerenciamento de vias aéreas
e suporte avançado de vida. O profissional qualificado é capaz de corrigir as
consequências fisiológicas adversas do nível de sedação mais profundo do que o
pretendido (como hipoventilação, hipóxia e hipotensão) e retornar o paciente para
o nível de sedação originalmente pretendido.
Ressalta ainda que não é apropriado continuar o procedimento em um nível
não intencional de sedação.
Desta forma, em razão da imprevisibilidade
da evolução da sedação, recomenda-se a avaliação periódica do nível de sedação
e o monitoramento contínuo dos sistemas cardiovascular e respiratório, cuidados
necessários para evitar eventos adversos ligados à sedação.
Esta é a razão pela qual, um profissional
médico deve dedicar-se exclusivamente à sedação enquanto o outro profissional
médico cuida do procedimento de diagnóstico/endoscópico.
Verifique-se, ainda, que assim como não parece razoável,
beirando as raias de ser absurdo, que o médico anestesiologista, dispense a
presença do médico endoscopista, e realize ele próprio o procedimento
anestésico e o endoscópico, já que possui habilitação para tanto e não existe
reserva de atos médicos, também não há razoabilidade na recomendação da SOBED
de que o endoscopista assuma sozinho a realização do procedimento endoscópico e
do procedimento de sedação, pelos mesmos e equivalentes motivos, que acarretam
invariavelmente no aumento desarrazoado do risco ao qual o paciente é
submetido.
Como visto, os
responsáveis técnicos pelo Parecer da Comissão de Ética
e Defesa Profissional nº 4/2019 foram muito além do que estavam autorizados, escapando da
razoabilidade e violando o princípio da beneficência, ao recomendar que “nos
casos de sedação/analgesia consciente ou moderada, com uso de drogas passíveis
de reversão, implica que a sedação/analgesia pode legalmente ser
realizada pelo médico endoscopista que está realizando o procedimento.”
Os
fundamentos utilizados para sustentar tal posicionamento são temerários, na
medida em que não têm como alvo a atenção à saúde do ser humano, em afronta
explícita ao Código de Ética Médica, baseando-se exclusivamente em argumentos
econômicos que em nada são capazes de amenizar o fato de que o médico que
submete o seu paciente a risco desnecessário, maior do que aquele próprio do
procedimento diagnóstico, está na verdade atentando contra a saúde e a vida
deste paciente.
Advoga
o Parecer da Comissão
de Ética e Defesa Profissional nº 4/2019 que; “os recursos
financeiros para pagamento de dois especialistas em sala, para exames
diagnósticos ambulatoriais de curta duração, em pacientes sem indicação de
anestesia/sedação profunda pela escala ASA, em procedimentos considerados de
baixo risco para o paciente, inviabilizariam as fontes pagadoras pelo custo
elevado para a Saúde Suplementar e recursos escassos no Sistema Único de Saúde,
já atualmente combalido.”
Denota-se
de tais argumentos que, colocar em risco desnecessário a vida e a saúde dos
pacientes a serem submetidos aos procedimentos eletivos de diagnóstico, é a
alternativa sugerida pela SOBED que tem como objetivo diminuir o custo para a
Saúde Suplementar e resolver o problema da escassez de recursos do Sistema
Único de Saúde.
Ocorre
que a SBA não comunga do entendimento de que cumpre às sociedades de
especialidades médicas a responsabilidade pela diminuição de custos das
operadoras de saúde ou mesmo do Sistema Único de Saúde. O papel das sociedades
de especialidades médicas é o de fomentar o conhecimento científico e
disseminar as melhores e mais seguras técnicas, tendo como objetivo primordial
ofertar à sociedade médicos mais capacitados e treinados, para ofertar serviços
de excelência ao mercado de saúde e aos pacientes.
O
compromisso do médico é com a manutenção da vida e da saúde do paciente, baseado
em evidências científicas e no princípio da beneficência.
Os
cuidados com os custos das operadoras de saúde e com os custos dos orçamentos
públicos são de responsabilidade e atribuição dos gestores, não devendo estes
aspectos interferirem na atuação do profissional médico e na segurança do
paciente.
Para
além do que já foi apontado, ao se proceder à análise dos serviços médicos de
diagnóstico, constata-se que não consistem em serviços de urgência e
emergência, os quais se não realizados imediatamente, colocam o paciente em
risco iminente de morte. Sendo assim, tratando-se na sua maioria esmagadora de
procedimentos eletivos, cumpre aos médicos prestadores do serviço se
desincumbirem dos seus deveres de transparência e cuidado para com seus
pacientes, atuando de acordo com as Resoluções do Conselho Federal de Medicina e
com as melhores evidências científicas.
O
médico que se propõe a sedar, deve tomar todos os cuidados necessários para
garantir a segurança do paciente, inclusive providenciando a avaliação
pré-anestésica, quando terá condições de estratificar adequadamente o risco do
paciente e certificar-se das condições de segurança do ambiente onde será
realizado o procedimento, bem como deverá garantir ao mesmo o acompanhamento em
tempo integral, inclusive durante a recuperação pós-anestésica.
Ou
seja, se o médico endoscopista se julga habilitado à realização de sedações,
deve estar habilitado também para a realização dos procedimentos necessários
para manter a vida e a saúde do paciente, não podendo desassisti-lo durante a
integralidade do procedimento anestésico, até que o mesmo esteja plenamente
recuperado.
Cabe
ao médico que se propõe a realizar a sedação garantir ao paciente a estrutura
necessária para a sua monitorização e pronto atendimento, no caso de uma
intercorrência inevitável, na forma preconizada pela Resolução CFM nº
2.174/2017.
Se
o procedimento endoscópico é simples, a ponto do médico endoscopista imaginar
que é possível realizá-lo em concomitância com outros procedimentos como os
necessários para a sedação segura do paciente, o mesmo não se pode afirmar em
relação ao procedimento anestésico, do qual é parte integrante a sedação e a
anestesia não-tópica, não sendo possível afastar a necessidade de monitorização
do paciente em tempo integral, a possibilidade de variação da profundidade da
sedação, nem a possibilidade de ocorrerem eventos adversos, tais como choque
anafilático e parada cardiorrespiratória, independentemente da quantidade de
drogas ministradas, uma vez que cada organismo tem a sua reação individualizada
a doses idênticas de medicação.
Dessa
forma, não há argumento econômico que possa justificar que um médico,
especialista ou não, assuma a responsabilidade pessoal e intransferível pelos
danos decorrentes da realização de procedimento de diagnóstico com sedação, em
desacordo com as determinações regulamentares exigidas pelo Conselho Federal de
Medicina – CFM para a sua execução.
Feitas
tais considerações, serve o presente para cientificar a SOBED das
impropriedades do Parecer
da Comissão de Ética e Defesa Profissional nº 4/2019, todas elas devidamente
discriminadas acima, e tornar público o posicionamento da SBA.Espera-se
que a SOBED reavalie o posicionamento esposado no Parecer
da Comissão de Ética e Defesa Profissional nº 4/2019 e divulgado nas mídias
sociais, tomando as providências necessárias para a efetiva retratação e
orientação de seus associados.
Erick Freitas Curi
Diretor-Presidente
SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA
[1] Amornyotin S. Sedation-related complications in gastrointestinal endoscopy. World J Gastrointest Endosc v.5(11); 2013 Nov 16, PMC3831194.
[2] Maestro-Antolín S et al. Severe
cardiorespiratory complications derived from propofol sedation monitored by an
endoscopist. Rev Esp Enferm Dig 2018;110(4):237-239
[3] Allen M et al. A randomized
controlled trial of light versus deep propofol sedation for elective outpatient
colonoscopy: recall, procedural conditions, and recovery. Can J Anaesth. 2015 Nov;62(11):1169-78
[4] American Society of
Anesthesiologists, Position on Monitored Anesthesia Care, Last Amended on
October 17, 2018.
[5] Continuum of Depth of
Sedation: Definition of General Anesthesia and Levels of Sedation/Analgesia*
Committee of Origin: Quality Management and
Departmental Administration
(Approved by the ASA House of Delegates on
October 13, 1999, and last amended on October 23, 2019)
5 Minimal Sedation (Anxiolysis) is a drug-induced state during which
patients respond normally to verbal commands. Although cognitive function and
physical coordination may be impaired, airway reflexes, and ventilatory and
cardiovascular functions are unaffected.
Moderate Sedation/Analgesia (“Conscious
Sedation”) is a drug-induced depression of consciousness during which patients
respond purposefully** to verbal commands, either alone or accompanied by light
tactile stimulation. No interventions are required to maintain a patent airway,
and spontaneous ventilation is adequate. Cardiovascular function is usually
maintained.
* Monitored Anesthesia Care (“MAC”) does not
describe the continuum of depth of sedation, rather it describes “a specific
anesthesia service performed by a qualified anesthesia provider, for a
diagnostic or therapeutic procedure.” Indications for monitored anesthesia care
include
“the
need for deeper levels of analgesia and sedation than can be provided by
moderate sedation (including potential conversion to a general or regional
anesthetic.”1 ** Reflex withdrawal from a painful stimulus is NOT considered a purposeful
response. Deep Sedation/Analgesia is a drug-induced depression of consciousness
during which patients cannot be easily aroused but respond purposefully**
following repeated or painful stimulation. The ability to independently
maintain ventilatory function may be impaired. Patients may require assistance
in maintaining a patent airway, and spontaneous ventilation may be inadequate.
Cardiovascular function is usually maintained.
General Anesthesia is a drug-induced loss of
consciousness during which patients are not arousable, even by painful
stimulation. The ability to independently maintain ventilatory function is
often impaired. Patients often require assistance in maintaining a patent
airway, and positive pressure ventilation may be required because of depressed
spontaneous ventilation or drug-induced depression of neuromuscular function.
Cardiovascular function may be impaired.
Because
sedation is a continuum, it is not always possible to predict how an individual
patient will respond. Hence, practitioners intending to produce a given level
of sedation should be able to rescue*** patients whose level of sedation
becomes deeper than initially intended. Individuals administering Moderate
Sedation/Analgesia (“Conscious Sedation”) should be able to rescue*** patients
who enter a state of Deep Sedation/Analgesia, while those administering Deep
Sedation/Analgesia should be able to rescue*** patients who enter a state of
General Anesthesia.
** Reflex withdrawal from a painful stimulus
is NOT considered a purposeful response.
*** Rescue of a patient from a deeper level of
sedation than intended is an intervention by a practitioner proficient in
airway management and advanced life support. The qualified practitioner
corrects adverse physiologic consequences of the deeper-than-intended level of
sedation (such as hypoventilation, hypoxia and hypotension) and returns the
patient to the originally intended level of sedation. It is not appropriate to
continue the procedure at an unintended level of sedation.