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“O suicídio é mais que um ato avulso”, dra. Michelle Nacur Lorentz 

Autora: dra. Michelle Nacur Lorentz 
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, organiza o Setembro Amarelo, mês da prevenção ao suicídio. O objetivo é conscientizar a população sobre os fatores de risco para o suicídio e incentivar o tratamento dos transtornos mentais, principal responsável pelo comportamento suicida.

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde estimou a taxa de 10,6 suicídios por 100 mil pessoas, com 80% ocorrendo em países de média e baixa renda. Cerca de 800 mil pessoas morrem ao ano em decorrência do suicídio, representando 1,5% de todas as mortes. As taxas de suicídio variam de acordo com idade e sexo, sendo mais altas entre os homens e idosos. Nos EUA representa a 10ª causa de óbito, sendo a principal causa entre jovens de 15 a 24 anos.

É importante destacar que o suicídio é mais que um ato avulso, é um processo que começa com pensamentos suicidas (ideação), seguido por um plano que pode ou não ser bem sucedido. Aproximadamente 160 milhões de pessoas expressam pensamentos suicidas. Para cada morte por suicídio, há 20 tentativas, totalizando anualmente 16 milhões de tentativas. No Brasil são registrados cerca de 12 mil suicídios ao ano. Trata-se de uma triste realidade que acomete principalmente os nossos jovens.

Cerca de 96,8% dos casos de suicídio são relacionados a transtornos mentais como depressão, esquizofrenia, abuso de substâncias e transtorno bipolar. Outros fatores predisponentes incluem tentativa anterior, abuso sexual na infância, história familiar de comportamento suicida e perda de um dos pais por suicídio na primeira infância.

Fatores predisponentes podem se associar a fatores precipitantes resultando em mudanças psicológicas, fazendo o indivíduo sentir-se sozinho, sem esperança e oprimido, o que, por sua vez, leva ao isolamento social, piorando o sentimento depressivo. Tais alterações psicológicas combinadas com acesso a meios letais, pode permitir o suicídio.

Dentre os fatores precipitantes, a vida estressante e eventos como dificuldades no relacionamento (particularmente separação do cônjuge), morte do parceiro e morte por suicídio de alguém próximo devem ser considerados. Outro fator precipitante seria receber um diagnóstico de uma condição médica crônica, particularmente nas primeiras semanas após o diagnóstico de câncer.

O risco de suicídio também é alto entre as vítimas de agressão e prisioneiros. Em nível populacional, desastres naturais podem agir como gatilhos para o suicídio. Paradoxalmente, os ataques terroristas parecem ser temporariamente proteção contra suicídio em populações expostas (maior coesão social pode ter explicado a menor taxa de suicídio em Nova York nos meses após os ataques de 11 de setembro de 2001).

Há relatos de aumento nas taxas de suicídio após o suicídio de uma celebridade. Fatores sociais, particularmente adversidades econômicas, podem impactar no risco de suicídio. Embora pessoas em profissões não qualificadas tenham maior risco de suicídio, profissões com acesso a meios letais para suicídio também apresentam altas taxas, como fazendeiros, enfermeiras, veterinários, médicos e policiais.

Há evidências de que anestesistas estejam em risco maior de cometer suicídio entre a classe médica, principalmente as mulheres. As teorias para essa evidência incluem o conhecimento e acesso a medicamentos potencialmente letais e seus meios de administração, estresse e tipos de personalidade dos médicos que escolhem a anestesiologia.

De 2001 a 2015 86% dos suicídios entre anestesistas foi por envenenamento, sendo 83% com fármacos anestésicos. História de depressão, eventos adversos na vida como problemas de relacionamento e financeiros figuram entre os fatores de risco acrescidos a estresse por bullying, demanda física e emocional alta, efeitos do envelhecimento, cansaço e longas jornadas de trabalho, provas e personalidade perfeccionista, além da relutância em buscar ajuda médica.

Dentre as medidas de prevenção destacam-se: estar ciente dos fatores de risco, sinais e sintomas. Procurar por ajuda profissional precoce. Procurar ajuda de familiares, colegas e amigos. Recomenda-se que aqueles profissionais com ideação suicida deveriam traçar um plano de segurança. Tratamento farmacológico para transtornos psiquiátricos deve ser feito idealmente com acompanhamento especializado.

Aproximadamente 160 milhões de pessoas expressam pensamentos suicidas.

No âmbito institucional as sociedades representativas estão atentas ao tema desenvolvendo ferramentas e guidelines cujos objetivos são: aumentar a consciência do suicídio e as vulnerabilidades associadas, fatores de risco e precipitantes, enfatizar modos seguros de responder a indivíduos em risco e seus colegas, dar suporte a esses profissionais e desenvolver departamentos e organizações para lidar com o suicídio.

É de extrema importância que todos entendam que depressão e outros transtornos psiquiátricos podem e devem ser tratados. Importantíssimo também estarmos atentos aos sinais de alerta que possam advir de alguns colegas e abordarmos com empatia, solidariedade e seriedade as pessoas em situações de risco para o suicídio mostrando a cada uma que estamos todos juntos.

Referências:
 1. Allan H. Ropper, M.D. – Suicide. N Engl J Med 2020; 382:266-74. 
 2. Schinde S, Yentis S M, Asanati K, Coetzee R H, et al – Guidelines on suicide amongst anaesthetics 2019. Anaesthesia 2020; 75: 76-10