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Nota Técnica sobre adornos estéticos

Elaborada em 6 de novembro de 2024.

A Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) e sua Comissão de Normas Técnicas (CNT) vem informar à comunidade médica sobre as diretrizes referentes ao uso de adornos estéticos por pacientes.


A avaliação pré-anestésica visa obter uma série de informações do paciente para garantir a segurança e qualidade do cuidado, minimizando os riscos do procedimento cirúrgico. Porém, um aspecto frequentemente negligenciado é o uso de adornos estéticos, como: cílios postiços, apliques de cabelo, unhas postiças e piercings. Embora possam parecer inofensivos, esses itens apresentam riscos significativos que podem comprometer a segurança do paciente e alterar a prática anestésica.


O emprego de adornos estéticos tem crescido exponencialmente em popularidade nos últimos anos. Esses procedimentos tornaram-se cada vez mais seguros, acessíveis do ponto de vista econômico e socialmente aceitáveis e permitem que os indivíduos alterem sua aparência, para melhorar a autoestima ou acompanhar tendências das redes sociais. Dessa forma, há um número cada vez maior de pacientes com adornos estéticos antes de um procedimento cirúrgico.


Diante desse cenário, faz-se necessário o desenvolvimento de diretrizes clínicas e
recomendações que orientem os anestesiologistas diante dessas situações.
Nesse contexto, é muito importante que os anestesiologistas estejam informados sobre potenciais complicações desses adornos cosméticos e sua interferência na prática anestésica e sobre as medidas preventivas a serem adotadas no ambiente cirúrgico para mitigar os riscos.


Destacaremos os adornos estéticos mais populares que podem ter implicações anestésicas pouco reconhecidas e forneceremos sugestões para melhorar a segurança do paciente, alertando sobre os riscos associados à presença desses adornos durante intervenções cirúrgicas e dando orientações aos anestesiologistas para minimizar os danos.


Cílios postiços


As extensões de cílios estão crescendo em popularidade e surgem como um tratamento cosmético com o objetivo de obter cílios mais cheios e longos. O mercado global de extensões de cílios espera uma taxa de crescimento anual composta de 7,5% entre 2024 e 2032, aumentando o valor do mercado de 1,3 bilhão de dólares para 20 bilhões de dólares até 2032 (1).


Existem três tipos de extensões de cílios: sintéticas, seda e vison (mink). As extensões de cílios sintéticas geralmente são feitas de materiais como fibra de polibutileno tereftalato (PBT), um tipo de polímero plástico ou fibras de nylon, que também são usadas para imitar a textura e aparência dos cílios naturais. Esses materiais são escolhidos pela leveza e capacidade de reter a curvatura e brilho ao longo do tempo. Elas possuem uma variedade de tamanhos e formatos (2-3)


As extensões de cílios envolvem a adesão de fibras artificiais à base de cada cílio natural individual por meio de cola semipermanente especialmente formulada e são geralmente aplicadas por esteticistas. A cola usada para extensão de cílios é feita à base de cianocrilato, uma substância com forte capacidade de aderência e secagem rápida. Existem formulações de cola que podem conter formaldeído. O procedimento pode levar até duas horas, e os olhos devem permanecer fechados durante toda a aplicação. As extensões de cílios geralmente duram de três a quatro semanas, caindo à medida que seus cílios naturais se desprendem. (2-3).


Apesar dos benefícios estéticos, também existem riscos médicos associados, sendo o mais comum a blefarite. Esta condição está relacionada à disfunção das glândulas meibomianas e a distúrbios evaporativos das lágrimas, que podem levar à síndrome do olho seco e à vulnerabilidade da superfície corneana. Além disso, as extensões de cílios podem causar lagoftalmo (fechamento inadequado dos olhos), o que aumenta o risco de desenvolvimento de lesões corneanas durante a anestesia geral. Pode acarretar também, trauma ou infecção da pálpebra ou da córnea; reação alérgica à cola; e perda permanente ou temporária de cílios. A infecção pode ocorrer devido à higiene inadequada ou danos ao olho durante a aplicação. Os ingredientes na cola podem causar reações alérgicas
principalmente se formaldeído estiver presente na formulação. A reação alérgica pode desencadear dor, prurido, eritema e edema, podendo até interferir temporariamente na visão (1-2).


Implicações anestésicas


Na literatura, há relatos de abrasão de córnea em pacientes submetidos à anestesia geral causada por extensões de cílios. A abrasão corneana é considerada a complicação oftálmica mais prevalente no período perioperatório, especialmente em pacientes sob anestesia geral., com taxas de incidência variando de 0,04% a 0,13% (1,4).


No contexto perioperatório, a extensão de cílios pode aumentar o risco de ceratopatia de exposição devido à vulnerabilidade da superfície da córnea, irritação física e/ou fechamento inadequado das pálpebras.


A ceratopatia de exposição em pacientes anestesiados, especialmente aqueles com fechamento inadequado das pálpebras, representa um risco significativo e é potencializada pela presença de extensões de cílios. Essa condição é caracterizada por defeitos no epitélio da superfície corneana e é uma queixa pós-operatória comum, com uma incidência variando de 0,9 a 3,3 por 1.000 anestesias gerais. Fatores como cirurgias na região da cabeça e pescoço, posições lateral ou prona, e lagoftalmo aumentam significativamente esse risco. Aproximadamente 60% dos pacientes sob anestesia geral experimentam fechamento incompleto das pálpebras, aumentando a probabilidade de ressecamento (1,4).


As extensões de cílios podem contribuir para blefarite e síndrome do olho seco, que estão ligadas a um risco maior de abrasões corneanas perioperatórias. Essas condições diminuem a produção de lágrimas, exacerbando a vulnerabilidade da córnea durante a anestesia. Há ainda o risco de infecção microbiana causado por acúmulo de bactérias sob a base dos cílios, além de dificultar a higiene e limpeza das pálpebras. A queda de cílios desalinhados nos olhos pode aumentar o risco de lesão corneana por erosão mecânica causada por corpo estranho.


Outra complicação relatada na literatura médica associada a extensões de cílios,
foi a sua ignição e queimaduras na pele durante a cirurgia ocular causadas pelo uso de eletro cautério. Nesse caso, a complicação foi atribuída ao material sintético das extensões ou mais provavelmente ao cianocrilato material presente na cola. A ignição das extensões de cílios durante cirurgias oculares é uma complicação rara, mas grave. Quando instrumentos eletro cirúrgicos são utilizados, eles geram altas temperaturas que podem inflamar substâncias inflamáveis, incluindo aquelas encontradas em certos adesivos usados para extensões de cílios. Além disso, a proximidade dessas extensões com o local cirúrgico pode aumentar o risco de ignição (3).


Existem também as extensões de cílios magnéticas, especialmente aquelas aplicadas com delineadores magnéticos ou que se prendem em torno dos cílios naturais, que têm riscos potenciais em ambientes de ressonância magnética (RM). Como esses cílios possuem pequenos ímãs, o campo magnético da RM pode exercer forças de deflexão significativas, causando movimento ou aquecimento desses objetos, o que pode resultar em desconforto, queimaduras ou até lesões nos olhos. Há relatos também dessas extensões se desprenderem atraídas pela força do campo magnético da RM (5,6).


Além disso, há relatos de que cílios magnéticos causam artefatos de imagem, que podem interferir na qualidade das imagens da RM. No entanto, como esses cílios são cosméticos, muitos pacientes podem não considerar necessário informar os técnicos de RM sobre seu uso, e os formulários de triagem de RM frequentemente não capturam essa informação, aumentando o risco.


Estudos usando métodos de teste padrão da indústria mostraram que esses cílios
magnéticos de diferentes fabricantes produzem forças de deflexão substanciais, o que indica que os efeitos de rotação e aquecimento só poderiam ser testados em condições muito diferentes das de um ambiente clínico típico. Portanto, recomenda-se que os pacientes informem sobre qualquer extensão de cílios, adesivos ou acessórios de cabelo antes de se submeterem ao exame de ressonância magnética (5,6).


Outra complicação relacionada a esse tipo de extensão de cílios magnéticos são as possíveis queimaduras relacionadas ao uso do eletro cautério. Esses pequenos imãs (fragmentos metálicos) podem absorver a energia e ocasionar queimaduras na área dos olhos.


Portanto, é necessário que tais extensões e adornos sejam removidos para minimizar o risco de queimaduras ou outros danos associados à exposição ao campo magnético e quando da utilização de eletro cautério (5,6).


Orientações aos anestesiologistas


Nesse contexto, recomendamos o aprimoramento de protocolos de proteção para pacientes com extensão em cílios (7).


1- Incluir na avaliação pré-operatória/anestésica perguntas sobre a presença de extensões de cílios em listas de verificação e questionários pré-operatórios pois muitas vezes essa informação é negligenciada ou omitida devido ao desconhecimento de sua interferência com a prática anestésica.
2- Educação dos pacientes sobre os riscos oculares potenciais relacionados ao uso de extensões de cílios durante a anestesia como ceratite de exposição, abrasão de córnea, infecção, ignição, queimadura e remoção inadvertida dos cílios.
3- Idealmente, pela literatura científica, as extensões de cílios devem ser removidas antes da cirurgia.
4- Quando não é possível remover as extensões de cílios, sugerimos a realização de uma avaliação pré-operatória cuidadosa para verificar se o paciente possui reflexo de Bell intacto e é capaz de fechar totalmente os olhos mesmo com a presença das extensões de cílios.


O Reflexo de Bell é uma resposta involuntária dos olhos quando as pálpebras se fecham. Nesse reflexo, o globo ocular se move para cima e ligeiramente para fora, ajudando a proteger a córnea ao afastá-la da superfície frontal do olho. Ele é considerado uma resposta protetora natural, presente em cerca de 75% da população. Essa reação é particularmente útil em situações de irritação ocular ou risco de exposição da córnea, como durante o sono ou em anestesia geral em que os olhos podem não ficarem completamente
fechados. A avaliação do Reflexo de Bell é importante para anestesistas, pois pode indicar se um paciente corre maior risco de desenvolver complicações corneanas durante procedimentos sob anestesia geral, especialmente se o paciente apresentar condições como o lagoftalmo que é a incapacidade de fechar completamente as pálpebras (1).
5- Durante a cirurgia, deve ser realizada a aplicação de um gel lubrificante à base de água sobre a superfície ocular para evitar ressecamento da córnea.
6- Colocação de uma almofada ocular macia e oval sobre a pálpebra, fixando-a com fita adesiva em posição horizontal (preferida) ou vertical, que vai desde a sobrancelha até o arco zigomático. Pode-se substituir a fita adesiva por biofilme (curativo transparente). Isso pode evitar que a fita adesiva entre em contato direto com os cílios, o que poderia causar a remoção não intencional deles.
Outra opção, é a colocação de curativos oclusivos transparentes, de formato quadrado e tamanho suficiente para cobrir as pálpebras e a pele ao redor para garantir o fechamento completo das pálpebras e cobertura da córnea (8).
7- Realizar verificações oculares intraoperatórias periodicamente
8- Reavaliar em caso de mudanças na posição da cabeça ou do pescoço
9- No caso da RM, a recomendação é incluir na avaliação Pré exame, questionamento sobre extensões de cílios ou apliques de cabelo e que estes sejam retirados antes do procedimento, além de implementar alertas no sistema de triagem para impedir a entrada de pessoas com esses cílios, incluindo membros da equipe, na sala do scanner. Essas precauções ajudariam a prevenir riscos associados ao deslocamento ou aquecimento dos cílios dentro do campo magnético, que podem comprometer tanto a segurança do paciente quanto a qualidade da imagem por produzirem artefato (5,6).


Apliques de cabelo


O uso de extensões ou apliques de cabelo aumentou em popularidade na última década. As extensões de cabelo são geralmente utilizadas por motivos estéticos, embora também ofereçam uma alternativa não invasiva e facilmente disponível para pacientes com alopecia. Com a tecnologia atual, esses apliques de cabelo são menos visíveis, apresentam um aspecto natural, e podem passar despercebidos sem uma história e exame completos.


As extensões de cabelo podem ser de origem sintética ou humana, e há muitas técnicas para aplicá-las. Essas técnicas incluem trançamento, entrelaçamento, utilização de microesferas ou clipes metálicos, colagem e aplicação com adesivo. As complicações das extensões de cabelo incluem alopecia por tração, emaranhamento dos cabelos, perda de brilho e, em um caso, foi relatada anafilaxia devido ao uso de látex como adesivo (9).


Implicações anestésicas


Pacientes submetidos à cirurgia prolongada estão em maior risco de desenvolver úlceras de pressão, especialmente no período perioperatório. A isquemia da pele occipital, resultando em úlceras de pressão e alopecia, é um fenômeno relatado decorrente da imobilização prolongada durante cirurgias extensas. Essa situação é agravada com a presença de extensões de cabelo que por si só formam uma faixa dura na área occipital, podendo aumentar a pressão na pele e levar a isquemia tecidual. Isso pode ser uma fonte potencial de úlceras de pressão em pacientes anestesiados em posição supina. Portanto, extensões de cabelo são consideradas como fatores de risco para o desenvolvimento de úlceras de pressão na região occipital (10,11).


As extensões de cabelo de material sintético que requerem clipes de metal para aplicação são outra preocupação de segurança durante a cirurgia. O uso de eletro cautério, em conjunto com clipes de metal, pode provocar o aquecimento desses clipes, resultando em queimaduras no couro cabeludo. O uso de dispositivos eletro cirúrgicos em procedimento cirúrgico apresenta a possibilidade de passagem de corrente por criação de um caminho alternativo para a corrente circular por meio de objetos metálicos ou materiais sintéticos que atuam como condutores. Isso pode resultar em queimaduras significativas no local de contato com o objeto metálico ou fibras sintéticas. Muitos sistemas modernos de eletro cirurgia são agora projetados como “sistemas isolados” para evitar tais lesões. No entanto, é importante que todos os implantes metálicos, neste caso, clipes de extensões de cabelo, e apliques de cabelo de material sintético sejam informados à equipe cirúrgica para que possam ser tomadas precauções para isolá-los ou removê-los.


A remoção desses apliques é demorada e requer um profissional para executá-la, portanto nem sempre é viável em procedimentos de emergência.
Essas extensões de cabelo que utilizam microesferas metálicas, também têm implicações para os exames de ressonância magnética (MRI), potencialmente gerando artefatos de imagem que dificultam a precisão diagnóstica. Além disso, a presença de metais pode elevar o risco de superaquecimento com queimaduras no couro cabeludo ou movimento, dependendo do tipo e intensidade do campo magnético (13).


Orientações aos anestesiologistas


1-Recomenda-se que profissionais de saúde incluam perguntas sobre extensões de cabelo e materiais metálicos em questionários de avaliação Pré operatória
2- Envolver e conscientizar os pacientes através de medidas educativas sobre os riscos associados a esses adornos estéticos como úlcera de pressão occipital, queimaduras ao couro cabeludo devido ao uso do eletro cautério.
3- Caso esses adornos não sejam retirados, como em casos de cirurgias de emergência (14):
3.1 – Recomenda-se a utilização de coxins de proteção na região occipital para permitir o acolchoamento adicional dessa aérea, evitando úlceras de pressão.
3.2 Utilizar de preferência o bisturi elétrico bipolar;
3.3 Se utilizar bisturi monopolar a placa de dispersão deve estar próxima ao local cirúrgico;
3.4. Se o procedimento cirúrgico for próximo ao implante utilizar Fio 2 abaixo de 25%.
3.5- Exame da área occipital deve ser realizado em intervalos regulares se a cirurgia for prolongada.
Em casos de RNM, nos questionários apresentados aos pacientes antes do procedimento deve constar um questionamento direto sobre a presença de apliques de cabelo que tenham microesferas metálicas e estas devem ser retiradas das antes do procedimento para evitar deslocamentos, artefatos na imagem e risco de queimaduras.

Piercings

O uso de piercings metálicos durante procedimentos cirúrgicos é um tema importante no campo da segurança perioperatória. A presença de piercings pode apresentar riscos tanto para o paciente quanto para o sucesso da cirurgia e da anestesia.

O principal e mais evidente risco associado à sua manutenção durante o procedimento cirúrgico está relacionado à possibilidade de queimaduras associadas ao uso do eletro cautério, ferramenta amplamente utilizada para cortar tecidos e coagular vasos sanguíneos.

O eletro cautério funciona com correntes elétricas, e os piercings metálicos podem atuar como condutores dessa eletricidade, gerando queimaduras nos locais de contato com o metal se a corrente elétrica percorrer esse caminho, ao invés de seguir para a placa de aterramento (15).

Esse risco é aumentado se a qualidade do metal do piercing é desconhecida, uma vez que muitos desse piercings não são feitos de metais para implantes, como o titânio (16).

Muitos protocolos perioperatórios (17) requerem a remoção de piercings metálicos antes de cirurgias que utilizarão ferramentas eletro cirúrgicas, como o bisturi elétrico monopolar, ocasionando atrasos ou cancelamentos, mesmo com poucas evidências na literatura sobre os reais riscos (15).

Metais no corpo podem interferir no fluxo de corrente elétrica, redirecionando a energia e causando queimaduras por arco elétrico, sendo recomendada sua remoção no período perioperatório para prevenir complicações. Isso pode ser mais relevante quando o piercing está próximo ao local de aplicação do eletro cautério (15).


Em estudo realizado em ratos, piercings metálicos não tocados diretamente pelo eletrodo ativo e a uma distância superior a 5–10 mm, não criaram nenhum efeito clinicamente relevante tecido próximo aos piercings por eletro cautério (18).

Piercings localizados na cavidade oral, como aqueles localizados nos lábios ou na língua, trazem riscos adicionais ao manejo de via aérea, podendo causar obstrução da via aérea, ou ainda trazer dificuldades de acoplamento da máscara facial e intubação traqueal, e traumas. (19,20).

A presença de piercings metálicos não estéreis também pode ocasionar aumento do risco de infecção no perioperatório, particularmente quando localizados em sítios cirúrgicos (16).

Adicionalmente, podem interferir com aquisição de imagens em exames de ressonância magnética, levando a artefatos que podem interferir na acurácia da interpretação diagnóstica (21).

Orientações ao anestesiologista:

1- É recomendado que todos os piercings metálicos sejam removidos antes da cirurgia. 2- Caso o paciente se recuse, deve ser informado dos riscos e assinar um termo informando sua decisão. 3- Se a remoção não for possível devido a falta de pessoal treinado ou ferramentas adequadas para a remoção, os riscos podem ser reduzidos alterando-se a ferramenta eletro cirúrgica utilizada, como o bisturi bipolar no lugar do monopolar, ou colocando-se a placa de aterramento mais próxima ao sítio cirúrgico (15). 4- Para aqueles pacientes com piercing recém-colocados, que temem fechamento do furo,peças inertes de plástico, como um cateter intravenoso, ou de quartzo podem ser colocadas no lugar durante o perioperatório, mantendo o trajeto aberto. (22,23)

Unhas em gel

As unhas em gel se tornaram populares nos últimos anos devido à sua durabilidade
e resistência a lascamentos, arranhões e amassados. Esse tipo de unha é composto por uma mistura de monômeros acrílicos que requerem luz ultravioleta para polimerização e endurecimento. No entanto, a remoção desse esmalte é complexa e exige um procedimento especializado. Além disso, muitos pacientes são resistentes à remoção, especialmente quando se trata de designs elaborados e de custo elevado (24,25).

Atualmente, a principal implicação das unhas em gel no cenário perioperatório está no potencial de interferência com o oxímetro de pulso. As imprecisões na leitura do oxímetro variam conforme a marca do dispositivo e a cor do esmalte utilizado, sendo as principais cores problemáticas o azul escuro (1,1% ± 3,5%), roxo (1,2% ± 2,6%) e preto (1,6% ± 3%) (26). Essas imprecisões também sofrem influência do fabricante do oxímetro; por exemplo, esmaltes em gel na cor azul mostraram um aumento estatisticamente significativo nos valores de SpO₂ em comparação com a linha de base nos oxímetros da marca Masimo. Com o oxímetro Philips, os limites de concordância variaram de 2% para o esmalte rosa a 17% para o esmalte preto (24). Outros estudos relatam simplesmente uma subestimação de até 6% nos valores de SpO₂ devido ao uso de esmaltes (27).

Em relação ao uso de unhas artificiais de acrílico, observou-se um viés de -1,1% com o oxímetro de pulso da Siemens, o que resultou em uma precisão reduzida ao utilizar unhas artificiais. No entanto, com o oxímetro Philips MP70, a saturação de oxigênio foi similar tanto com quanto sem unhas de acrílico. É importante destacar que, embora a diferença seja pequena, houve um aumento no número de valores fora do intervalo de ±2% com unhas artificiais, sugerindo imprecisão (28).

Outra preocupação significativa com o uso de unhas artificiais é o risco de infecção quando utilizadas por profissionais de saúde. Estudos indicam que as unhas de gel podem reter bactérias, mesmo após uma lavagem adequada das mãos, aumentando o risco de infecções no local cirúrgico. Embora os estudos não tenham comprovado um aumento no número de bactérias em unhas de gel, destaca-se que a higienização é mais difícil nesse tipo de material (29).

Essas observações resultaram em recomendações da Sociedade de Epidemiologia em Saúde da América (SHEA), da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas (IDSA) e da Associação de Profissionais em Controle de Infecção e Epidemiologia (APIC) em sua diretriz atualizada para prevenção de infecções associadas aos cuidados de saúde. As diretrizes recomendam que profissionais de saúde que atuam em áreas de alto risco (como UTI e ambientes perioperatórios) evitem o uso de unhas artificiais ou extensões.

Em relação ao uso de esmaltes (comum ou em gel), a decisão de proibição fica a critério do programa de prevenção de infecções da instituição, exceto para profissionais que manipulam o campo estéril durante procedimentos cirúrgicos, os quais não devem utilizar esmaltes ou unhas em gel (30). O próprio Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e a Joint Commission recomendam a remoção de unhas artificiais para minimizar esses riscos.

Conclusão

Os profissionais de anestesia devem estar cientes das implicações da presença de adornos estéticos na sua prática anestésica. Realizar uma avaliação pré-operatória minuciosa, informar os pacientes sobre os possíveis eventos adversos associados a permanência desses adornos, desenvolver medidas preventivas e promover a vigilância em todo o ambiente perioperatório ajuda a mitigar os riscos associados de complicações causadas por esses adornos e reforça o papel do profissional de anestesia na segurança do paciente.


Referências Bibliográficas

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